sábado, 9 de outubro de 2021

O Projeto da Pobreza no Brasil e no Mundo


Se existe uma verdade é que "uma imagem vale mais que mil palavras", por isso este texto será contemplado de várias imagens para que o que eu quero passar aqui chegue em você com o maior impacto possível. 

O ser humano tende a se achar muito especial e superior aos demais animais na natureza, por ter o desenvolvimento da linguagem, da razão, mas a serviço de quê está essa razão? Pois o ser humano é o único que paga para viver, é o único que pega pra si mais do que precisa para viver, é o único que não se importa de ver que tem mais do que precisa enquanto outros vivem na miséria, é o único que quanto mais tem mais quer e nunca está satisfeito, é o único que explora outros da sua espécie e outras espécies em benefício próprio. O ser humano muitas vezes é o último a exercer o princípio de humanidade.

Em um mundo onde pessoas, são tidas como produto, produto de uso, de beleza, um produto que serve para produzir outros produtos, um produto que vale menos que outros produtos, um produto que não se relaciona mais, que tem que ser perfeito se não não serve, que é descartável, que pode ser número pra algumas empresas, ferramenta para outras, que pode ser objeto de prazer para terceiros, que é saco de pancada de uns outros, e que quando se rebela é visto como animalesco, retrógado, não civilizado, descontrolado, culpado e daí precisa ser contido, controlado, seja na prisão, seja em um manicômio, como muito se fez no passado, ou ainda, seja morrendo na miséria, como podemos ter a audácia de nos sentir superior? Se houver o mínimo de consciência sobre como vimos nos comportando desde que o mundo é mundo, deveríamos ter mais humildade para se colocar no mundo e talvez até, vergonha. 

 "Quem não vive pra servir, não serve para viver"
-Mahatma Gandhi

Já ouviu falar sobre projeção e introjeção? Se observarmos uma criancinha, ela conhece o mundo através da boquinha, tudo que pega coloca na boca, se ela encontrar um doce e levá-lo à boca, vai sentir o gosto doce e vai ingerir o doce, mas se ela encontrar uma pedra e levar a boca não será tão prazeroso como o doce e então ela irá cuspir, desse modo, aquilo que gostamos, ingerimos, atribuímos a nós, e aquilo que não gostamos, expelimos para fora, para o mundo, ou seja, projetamos fora de nós, isso acontece inclusive com nossas próprias qualidades e defeitos, aquilo que não gosto eu coloco no outro. Sabe quando você está com pressa e tem alguém a sua frente que está barrando a passagem e ainda está transitando em ritmo lento? Tendemos a colocar a culpa de nossa frustração dessa situação (e outras) na pessoa que está a nossa frente, pois ela está lenta demais, quando na verdade a pressa é nossa, e não da pessoa a nossa frente, a frustração é nossa e a outra pessoa não tem nada a ver com isso, tem ainda quem ache que a pessoa a frente está indo de vagar de propósito só para lhe irritar, mas isso é descabido, visto que a pessoa a frente muitas vezes nem sabe quem é você, sua rotina, e tão pouco a sua urgência, afinal você não é uma ambulância, e mesmo a ambulância precisa de uma sirene para avisar sua pressa. Tudo isso para dizer que na cultura e religião de diversas formas criamos figuras externas a nós para representar o mal, alienígenas, robôs, monstros, lobisomens, vampiros, fantasmas, espíritos, demônios, enfim a lista é imensa, seres maléficos que aterrorizam a humanidade, sendo que na verdade o maior mal do mundo seja a própria humanidade tal como vem se dando ao longo dos anos. Precisamos começar a reconhecer nosso papel de contribuição para o mundo em que vivemos, seja pro bem ou pro mal.

A humanidade tem potencial de fazer coisas extraordinárias, como também vimos ao longo dos tempos, mas tem modos de vida que não cabem já faz tempo, a nossa ganância e egoísmo não pode ser maior que o nosso senso de coletividade, pois isso vai contra nosso princípio natural e se não mudarmos isso, essa será a nossa sentença. São tempos difíceis e todos de alguma forma estão sentindo isso, a pandemia, a crise econômica do país, e sem contar as problemáticas que o país já enfrentava e hoje tudo se encontra muito mais agravado pela pandemia e claro, pela má gestão do governo atual e individualismo de cada um de nós, mas o pior dessa questão toda é que, infelizmente, somos reforçados a ser egoístas, pois só se pode ajudar o outro se antes ajudarmos a nós mesmos, aqui vale analogia do avião, primeiro você veste a máscara de oxigênio em você depois na pessoa ao seu lado. Minha crítica aqui não é pra você necessariamente, mas para os magnatas, os milionários, bilionários, trilionários, eles são os verdadeiros vilões da história, porque mesmo que você tenha uma renda legal e não esteja passando sufoco você não gera o impacto global que esses caras geram. Mas é aquilo, a gente tem que se ajudar, quem mais sofre e é afetado é a maioria e quem explora é minoria, nessa "brincadeira", sempre haverá alguém muito melhor e um outro alguém muito pior do que você, não importa a sua posição. 

Há quem diga que o dinheiro não traz felicidade, mas para quem está na miséria, o dinheiro significa, saúde, educação, alimento, recursos fundamentais para sobrevivência em primeiro momento, a busca pela felicidade dessas pessoas ficam em segundo plano quando elas não tem nem o que comer. Entende que falar de felicidade muitas vezes é também um privilégio? Pois, você só tem tempo de pensar nisso se antes estiver bem nutrido, com saúde, a pirâmide de Maslow é bem clara nesse quesito.


Frase da criança da charge: " Esquece a Disneylândia... Eu quero ir pra esse lugar aí..."

Talvez você concorde comigo de que o Brasil tinha tudo pra ser um país bom pra se viver, visto que é um país com a maior diversidade de biomas, solos, com os mais ricos e vastos recursos naturais, de beleza natural clima agradável (pelo menos antes da poluição interferir no "rolê" climático e etc.) e já que houve tanta imigração de povos de todo canto do mundo cada um poderia contribuir com os conhecimentos de onde veio, claro que a diversidade cultural também é uma das riquezas do país, e que deveria então nos ensinar sobre o respeito ao diferente já que quase ninguém aqui é igual. No entanto, a história desse país é também manchada pela exploração de povos minoritários desde 1500 (não vou dizer desde o princípio, pois isso anularia mais ainda a validade histórica dos reais donos dessa terra que são os povos indígenas, vale ressaltar que o Brasil não foi descoberto, mas invadido), exploração, estupro, racismo, foi um país que teve sua civilização construída a partir do trabalho escravo, do trabalho de pessoas sem direitos, sem reconhecimento de humanidade, sem valor que não sua mão de obra forçada, e que até hoje respinga em pessoas que não tem a cor certa, a cor... Toda essa atrocidade da história é até hoje justificada pela cor da pele, e ai eu volto naquela questão do início, a serviço de quê está a razão da humanidade que justifica tamanho horror apenas pela cor da pele de uma pessoa? Ou ainda que justifica agredir, estuprar, matar, desacreditar, sobrecarregar alguém por ser, mulher. Uma sociedade que mata, ridiculariza, demoniza, alguém por sua orientação sexual. Ou ainda pela sua classe social. Vale lembrar que nenhuma dessas condições é de escolha da pessoa, ninguém escolhe, sua cor, seu gênero, sua orientação sexual, o local onde nasce, a família em que cresce, e ainda assim julgamos, culpamos e sentenciamos a morte uns aos outros apenas por aquilo que justamente não podemos escolher. 


Na camiseta do menino está escrito "ESCOLA"

A pobreza no Brasil é um projeto, esse projeto acontece no mundo todo, a Europa só é um continente de primeiro mundo porque explorou outros continentes, a ideia de globalização matou e mata diariamente outras formas de vida que não se assemelhe aos princípios europeus, o impacto disso reflete em várias camadas da história, da sociedade, da cultura e do comportamento de vários povos, a cultura ocidental tem um "Q" patriarcal que valoriza a razão, a filosofia, o saber, o pensamento crítico e lógico, não valoriza tanto as potencialidades e cuidados com o corpo como é comum no oriente que tem um "Q" mais matriarcal no sentido de cuidado e integração de corpo e mente, (e aqui você pode dizer, mas no Japão eles trabalham muito mais do que nós, na China também, pode até ser, mas daí o efeito da globalização, é como um vírus que se espalha rapidamente para todas as culturas) no ocidente o corpo é fonte de pecado, de prazer (onde o prazer também é uma forma de pecar), um mundo também ao mesmo tempo que platônico que valoriza as ideias, muito materialista ao meu entender, (a razão é sim importante, mas não só ela, o corpo também é importante, não podemos valorizar um e desvalorizar outro, somos seres integrados e complexos, a mente interfere no corpo, tal como o corpo interfere na mente), uma sociedade em que tudo bem você trabalhar até não dar mais, pois o importante é produzir, onde o tempo ocioso é visto como perda de tempo, coisa de preguiçoso, mas isso não é verdade, se até Deus descasou no 7º dia, por que você mero mortal não deveria descansar? Esses dias eu li uma frase que diz tudo sobre isso que era algo como "A sua produtividade está no tempo de descanso que você não se permite ter", hoje a procrastinação é mais um dos pecados, mas talvez só estamos procrastinando tanto porque não aguentamos mais só produzir para outros terem tempo de não fazer nada, se existe muito esforço de um lado certamente o outro lado não está fazendo a sua parte, dessa forma uma maioria é sobrecarregada, para que uma minoria fique tranquila, por isso é um projeto, por isso a educação do país é sucateada, não é interessante para esse projeto que as pessoas da base pensem muito sobre tudo isso, por isso não se tem condições dignas de viver para a maioria, porque você não vai querer pensar nesse projeto se estiver morrendo de fome. Esse projeto é tão perverso e tão bem arquitetado que agora começa a surgir uma possível resposta para a pergunta do pra quê nossa razão tem servido. 


Essa foto é do fotografo Kevin Carter, que foi vencedora do prêmio Pulitzer de Fotografia de 1994.  A foto em questão levou Carter a cometer suicídio.


 "Alguém aproximou-se de Jesus e disse: 
'Mestre, o que devo fazer de bom para possuir a vida eterna?' Jesus respondeu: 'Por que tu me perguntas sobre o que é bom? Um só é o Bom. Se tu queres entrar na vida, observa os mandamentos.' O homem perguntou: 'Quais mandamentos?' Jesus respondeu: 'Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe, e ama teu próximo como a ti mesmo.' O jovem disse a Jesus: 'Tenho observado todas essas coisas. O que ainda me falta?' Jesus respondeu: 'Se tu queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me'. Quando ouviu isso, o jovem foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico."

Na história já passamos pelo âmbito de trabalho por meio da exploração, escravidão e agora vivemos a exclusão também, que é a dinâmica em que precisamos competir pela vagas de emprego, e que vença o melhor, isso promove uma competitividade exacerbada nas pessoas e reforça o individualismo de cada um, pois agora passamos a ver uns aos outros como rivais, e por que em um mundo nesse modelo alguém iria querer ajudar um rival? Competimos no vestibular, competimos nos concursos públicos, competimos pelas vagas de emprego, e até por papel higiênico como ocorreu no início da pandemia. 

O pobre não consegue avançar em direção de seus sonhos, pois as vezes nem há tempo para sonhar, talvez em muitos casos o sonho seja alcançar um prato de comida, ou ainda, acordar no dia seguinte, e a cada passo que as classes mais baixas dão à frente, a margem de sucesso, a linha de chegada é colocada mais distante, hoje o acesso ao ensino superior está um pouco mais amplo que outrora, no entanto, vemos que já não basta mais ter a formação se não houver vagas, então muitas pessoas saem do ensino superior não podendo exercer de fato a profissão pra qual estudou.


Um homem segura um diploma na sarjeta



Manuel Castells um sociólogo espanhol fala sobre a Dinâmica Social do Capitalismo, abordando temas como: As relações de distribuição/consumo que gera a desigualdade, a polarização entre ricos e pobres, a pobreza propriamente e a miséria. Também sobre as Relações de Produção: dos processos de individualização do trabalho, da super exploração dos trabalhadores, da exclusão social e da Integração Perversa.

Na obra de três volumes "Era de informação: Economia, Sociedade e Cultura" Manuel Castells (1998), cita um 4º mundo que seria o mundo dos excluídos, as pessoas deste 4º mundo para ter acesso a alguma renda, por não conseguirem condições dignas de emprego para ascender na sociedade precisam muitas vezes recorrer a meios ilegais para conseguir alguma renda, por meio do tráfico de drogas, compra de armamentos, contrabando de material radioativo, contrabando de órgãos humanos, contrabando de imigrantes ilegais, prostituição, jogos, extorsões, sequestros, etc. Além disso há uma estratégia de culpabilização que Robert Farr (1991) vai chamar de "individualização" do social, em que o individuo é ainda culpado por uma condição social adversa e injusta, ou seja, o pobre é culpado por ser pobre, o miserável é culpado por ser miserável e assim sucessivamente. Bem como também é comum que as pessoas ainda acreditem no mito da meritocracia, que diz que os mais ricos tem suas riquezas por mérito e esforço, sendo que muitos deles nunca lavaram um prato pra isso, muitos são herdeiros e certamente seus antepassados adquiriram riquezas a partir da exploração de outros. 

"A modernidade confinou-nos numa ética individualista... incapaz de conceber e nela incluir a responsabilidade da humanidade pelas consequências das ações coletivas ao nível da escala planetária". - Karl-Otto Apel (1984).


  • Manuel Cattels
  • Robert Farr
  • Karl-Otto Apel                       
Existem ainda os impactos psicológicos da pobreza na vida do indivíduo que foram abordadas em um vídeo do canal "Minutos Psíquicos" e que são interessantes contemplar neste texto: 

  • O impacto da pobreza pode atingir o sujeito antes mesmo dele nascer, quando mulheres grávidas estão expostas à poluição, má alimentação, isso implica consequências na formação e desenvolvimento do feto.
  • Na infância a desnutrição e a exposição à poluição pode comprometer o desenvolvimento cerebral da criança.
  • A ausência de ambientes estimulantes para criança desenvolver um vocabulário mais rico também compromete sua formação social.
  • A pobreza também impacta o planejamento financeiro das famílias, pois o indivíduo está constantemente preocupado com questões básicas que também podemos chamar de Humor Negativo e preza por resolver as coisas de imediato, não conseguindo assim, fazer planejamentos futuros, ou poupar, esse estresse constante também interfere em condições favoráveis para um bom planejamento, esse efeito chamamos de Sobrecarga Cognitiva.
  • Certamente a pobreza também compromete a saúde mental do sujeito de modo que a coisa vai se agravando conforme maior o nível de pobreza.
  • A pobreza também pode ser uma das causas de alguns transtornos mentais, visto que quando há medidas de combate a pobreza a taxa de transtornos mentais diminui.
  • Por conta do julgamento social, o a pessoa em situação de pobreza tem uma baixa autoeficácia, que diz respeito a crença de que o indivíduo tem de que pode alcançar seus objetivos, ou seja, a pessoa tende a ser menos ambiciosa e a persistir menos em seus objetivos e metas.
Aproveitando o tema do texto eu não poderia deixar de ressaltar o evento recente de veto à distribuição gratuita de absorventes no Brasil pelo presidente da república, decisão desumana e que não representa as necessidades do povo a quem deveria servir, isso é mais uma questão de saúde pública, mas não é de se surpreender com a decisão, visto que a gestão da pandemia que era e ainda é uma urgência de saúde pública foi feita tão porcamente no país e que matou milhares de pessoas. 


A natureza real do ser humano é colaborar, não competir, nos corrompemos ao longo da história, são tantos absurdos que acostumamos nossos olhos as injustiças, as crueldades, mal conseguimos digerir um absurdo já vem outro pra nos bombardear, fechar os olhos não ajuda em nada, mas eu entendo a necessidade de se poupar um pouco de tanto sadismo, precisamos parar de defender um sistema que nos mata todos os dias um pouco mais, devemos repensar nosso individualismo, porque como já dito antes nesse blog, somos um sistema, fazemos parte de um grande sistema, precisamos começar a contribuir mais, pois isso literalmente retorna para nós de alguma forma, o egoísmo de hoje será sentença de amanhã, pois você pode estar no mais alto escalão social, você vai precisar de alguém, pra limpar sua casa, levar sua comida ao supermercado, quem sabe até fazer suas compras, para cuidar de você quando estiver doente, e vale lembrar que passamos a vida acumulando coisas das quais não iremos levar para canto nenhum, visto que somos mortais, a vida é tão curta e preciosa para perder tempo ou até a vida inteira indo contra aquilo que nascemos para ser, ser rico tem que deixar de ser uma meta, talvez a meta devesse ser que todos tenham boa alimentação, acesso à educação de qualidade, condições dignas de trabalho, acesso a saúde gratuita de qualidade (o SUS é sensacional, mas precisa de muito mais investimento), que todos tenham possibilidade de moradia, acesso a lazer, esporte, segurança, enfim oportunidades básicas para alcançar o máximo de seu potencial humano.




Precisamos mudar esse quadro.

Lembrando que qualquer coisa que você quiser, acrescentar, contrapor ou mesmo discordar totalmente, sinta-se à vontade, os comentários estão a favor disso!

Referências, indicações e inspirações:

Vídeo: Os Impactos Psicológicos da Pobreza (Minutos Psiquícos): https://www.youtube.com/watch?v=9cyfdiSGGz8

Obra: Castells, M. (2002). A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, Vol. I, A Sociedade em Rede. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Castells, M. (2003). A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. Vol. II, O Poder da Identidade. Lisboa: Fu.

Livro: As Artimanhas da Exclusão. Capítulo: Pressupostos Psicossociais da Exclusão: Competitividade e Culpabilização.


Matéria: https://www.terrasemmales.com.br/dia-do-fotografo-kevin-carter-o-abutre-e-a-crianca/

Bíblia Sagrada: Mateus 19:16-22








2 comentários:

  1. Post excelente, disse tudo quando se referiu a raça humana que tem racionalidade mas age de forma horrível com a mesma espécie.

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